Oceania
setembro/outubro 2024
Austrália: da "tirania da distância" ao "desconhecimento mútuo"
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| Sydney, Austrália |
O primeiro entrave atribuído ao estabelecimento de relações com a Austrália chamava-se "tirania da distância", resultado das dificuldades, de então, de acesso àquele país. O segundo, "desconhecimento mútuo", dado que, até pouco tempo atrás, pouco ou nada se conhecia sobre a cultura daquele país. Atualmente, as distâncias são dadas como superadas, pelo menos em relação ao Brasil, de onde parte vôos diretos para a Austrália. Quanto à cultura, o mês de agosto/2024, comemorou, no Brasil, os 30 anos do Australian Connection Festival, com ícones do surf rock australiano, em São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Porto Alegre e Curitiba - emblemas das referências das gerações 1980-90. Mas, nem tudo é tão simples.
Na plataforma do Pacífico, identifica-se quatro prováveis centros de força militar:
1. Índia, semi-potência com capacidade técnico-militar;
2. Japão, que produz armas, mas importa matérias-primas;
3. China, com produção de ferro e aço crescente e reservas de minério de ferro e carvão de coque, junto à Índia, Indonésia, Filipinas e Coréias;
4. Manchúria, com boa siderurgia em Mukden (Chenianque)/Anshun com a anglo-saxônica Austrália.
De povoamento esparso, de quase um só grupo étnico europeu, e alto padrão de vida, a Austrália, nos últimos 100 anos, desenvolveu o egocentrismo como política internacional. Internamente, suas instituições altamente organizadas giram em função da economia e da manutenção de altos índices de bem-estar e riqueza.
O expansionismo australiano-neozelandês ocorreu em razão do expansionismo nipônico e em relação a ele.
Em 1883, antes de qualquer espraiamento japonês no Pacífico, o governo da colônia de Queensland anexou a parte oriental da Ilha da Nova Guiné (Papua). Em 1884, a Inglaterra reconheceu a anexação e ali estabeleceu um protetorado britânico que ficou sob inteiro domínio da Commonwealth Australiana, a partir de 1906. Em 1914, com a Primeira Grande Guerra, a Nova Guiné Alemã passou ao controle militar australiano até 1921. Então, Versalhes presenteou a Austrália com pequenas ilhas entre o continente e a Nova Guiné e colocou a porção alemã sob direção australiana (Mandato Classe C, que foi transformado em "fideicomisso" pela O.N.U., em 1946). Mais ao norte, West Irian - uma questão de domínio entre Holanda e Indonésia (islâmica) - posicionou a Austrália ao lado da Holanda, talvez menos por motivos de estratégia de defesa do que pela possibilidade de existência de petróleo. A Australian Petroleum Company, procurando petróleo na Nova Guiné Holandesa e na Papua, levou um exército de geologistas e técnicos ao interior da mata virgem.
Receosos de uma invasão asiática, no pós-guerra, a Austrália (1) concluiu o Anzus, pacto militar entre Austrália-New Zeeland-United States Defense Pact; (2) participa acintosamente da Seato (Southeast Asia Treaty Organization); (3) estacionou tropas na Malásia; (4) realiza contínuas declarações sobre assuntos da alta política asiática. Também é dessa época um programa de migração intensiva européia: 1.000.000 de italianos, ingleses, polacos e holandeses. O objetivo: população de 20.000.000, fazendo a população mais proporcional ao tamanho do território, antagonistas e separatistas da política White Austrália.
A viagem da "Primeira Frota", em 1788, do Reino Unido para a primeira colônia europeia na Austrália, fez uma escala no porto do Rio de Janeiro, pois o comandante-capitão Arthur Philip havia navegado com a Marinha Portuguesa e era amigo do vice-rei do Brasil, o Marquês de Lavradio (Dom Luís de Almeida Portugal Soares). Naquela ocasião, adquiriu vastos estoques de cachaça, pois estavam já desprovidos de rum. Assim, o Rio de Janeiro continuou sendo, por décadas, o porto de abastecimento na rota entre Reino Unido e Austrália. Mesmo assim, as relações políticas Brasil-Austrália só foram estabelecidas décadas após a formação da Comunidade (Commonwealth) da Austrália, em 1901, como monarquia constitucional e democrática federal e parlamentar. Diplomáticas, em 1945, após a adesão da Austrália ao Estatuto de Westminster, no qual o Reino Unido estabelece status de iguais entre os diferentes domínios independentes do Império Britânico, dando às ex-colônias inglesas total independência política. Consulares já existiam: o primeiro acordo bilateral de não discriminação comercial foi em 1939. A primeira troca de missões diplomáticas foi em 1946 (a primeira missão sul-americana da Austrália) movida pelo enquadramento de ambas como "potencias médias" que colaboraram no esforço de guerra dos Aliados contra o Eixo.
Em 1950, Brasil e Austrália assinaram seu segundo Acordo Bilateral. Do ponto de vista brasileiro, cotas de exportação de algodão, café, pinho, madeiras e cera de carnaúba, e importação de máquinas várias (agrícolas e bombas hidráulicas às de lavanderia), aparelhos elétricos, peças para automóveis, cevada e lã. A Austrália era um dos melhores mercados para a madeira brasileira; o algodão era o principal produto de exportação do Brasil naquele país. O Acordo, entretanto, foi resultado da euforia importadora do final do governo Dutra e do excesso de capital, no imediato pós-guerra. Em 1954, essa política foi repensada diante da retração causada pelo desequilíbrio fiscal. A Austrália, por sua vez, reduziu seu interesse nos países latino-americanos depois da formação da Nações Unidas. O Brasil tampouco tinha maior interesse pela Oceania.
Assim que, somente na década de 1970 esta postura do governo brasileiro mudou. Era o período do "milagre econômico brasileiro" e a Austrália tinha o Brasil como "líder do Terceiro Mundo". Havia também o choque do petróleo reduzindo o comércio exterior brasileiro, levando o país a buscar outras parcerias. Sendo a Austrália um país do bloco capitalista ocidental, cumpria os critérios dos governos militares brasileiros da época, estabelecendo com a Austrália um programa bilateral de "enorme potencial de intercâmbios úteis". Previa-se um fluxo crescente de comércio e também acordos tributários e de cooperação científica e tecnológica.
A década de 1980 foi um período de fraca interação bilateral entre Brasil e Austrália. Em 1986, os parlamentos da Austrália e do Reino Unido celebram o Australia Act, estabelecendo que os dois parlamentos legislam separadamente, mas de forma relacionada. Além disso, a América do Sul começou a adquirir prioridade crescente na política externa brasileira. Dessa época são as propostas de negociações de acordos de extradição (só foi assinado em 1994) e de cooperação jurídica em matéria penal (ocorreu em 2014). Também foi nessa década que empresas australianas começaram a operar no Brasil no setor de mineração e serviços associados a esta atividade.
Foi a Austrália que teve a iniciativa de propor a outros países exportadores de produtos agrícolas da Ásia e da América Latina a formação de um bloco para impedir que os Estados Unidos e a Comunidade Europeia se pusessem de acordo em adiar a reforma das regras de comércio agrícola durante a Rodada Uruguai de negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Durante esta Rodada, o Brasil tornou-se o membro mais ativo do grupo ao lado da Austrália. Austrália, Nova Zelândia e Canadá - os países desenvolvidos do grupo - apoiaram a demanda dos países em desenvolvimento de obter tratamento "especial e diferenciado" na agricultura.
Brasil e Austrália reiniciaram aproximação bilateral a partir da década de 1990.O tema do meio ambiente foi ganhando destaque, assim como as discussões multilaterais, especialmente durante a Rio-92. Entre Brasil e Austrália o preservacionismo sempre foi um ponto convergente dos interesses, mesmo quando de sua exploração racional com princípios de desenvolvimento sustentável. Quanto à segurança internacional, Austrália ecoou ao Brasil sua prioridade à não proliferação de armas de destruição em massa, até a adesão brasileira ao Regime de Controle de Misseis (1995) e ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (1998). Austrália e Brasil responderam, juntos, aos ditames dos sistemas multilaterais nos anos 1990 e princípios dos 2000, permitindo, com isso, uma rotina nas relações diplomáticas, e contatos regulares entre os altos representantes de ambos países. No início dos 2000, especialmente a partir de 2008, as relações bilaterais se intensificaram sob a interlocução do governo trabalhista do então primeiro-ministro Kevin Rudd.
Em 2010, Brasil e Austrália adotaram um plano de ação diversificado: ciência e tecnologia, comércio e investimentos, promoção cultural, cooperação técnica e intercâmbios educacionais. A Austrália foi um dos poucos países a não experimentar recessão e só sofreu os impactos negativos da crise internacional com a redução do dinamismo da economia chinesa - seu principal sustentáculo econômico - em 2013. Em 2010, já se observava forte e crescente interação entre indivíduos particulares e entidades privadas das sociedades brasileira e australiana. Os investimentos de empresas de mineração e serviços associados, como o intercâmbio de capitais, favorecido por parcerias entre empresas que possuem capacidades complementares. O intercâmbio de estudantes também tornou-se um aspecto bem-sucedido. Quanto às iniciativas propriamente políticas, fez-se a cooperação técnica, desenvolvida em ambos, do projeto de captação de águas pluviais no Haiti.
Em 2012, durante a Rio+20, os dois países declararam-se parceiros estratégicos. Apesar das ambiciosas metas, a eleição da Coalizão Liberal-Nacional e o progressivo enfraquecimento de ambas economias reduziram a aproximação dos dois países.
Os principais temas, na década de 2010, foram:
1. cooperação educacional: educação é a principal pauta de exportação da Austrália (aproximadamente 17 milhões de dólares americanos por ano). Em 2014, contribuía com o intercâmbio comercial mais do que o turismo e as exportações de ouro e petróleo. Ela é o terceiro maior destino global de estudantes, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Entre as vantagens para o Brasil está a coincidência do calendário escolar, o clima (Queensland, por exemplo, está na mesma latitude do sudeste brasileiro) e a informalidade do acolhimento do australiano. Em 2015, eram 22 mil estudantes brasileiros inter-cambistas na Austrália (a sexta maior comunidade de estudantes estrangeiros e o único grupo de origem não asiática entre os 10 maiores consumidores dos serviços educacionais australianos, 1/3 dos quais dentro do Programa Ciência Sem Fronteiras). A expectativa era de ampliar a cooperação para estabelecer inter-câmbios entre os professores para aumentar oportunidades de cooperação científica e tecnológica.
2. ciência e tecnologia: pauta pendente desde 1970, apesar da "Commonwealth Scientific and Industrial Research Organization" (CSIRO) manter convênios com instituições brasileiras (por exemplo, CNPq e Embrapa), com governos estaduais e empresas nacionais. O potencial de cooperação está na biotecnologia (biomas mega-diversos e exclusivos), em ciências sobre o espaço exterior (ambos no hemisfério Sul), e energias renováveis, nanotecnologia e gestão de recursos naturais.
3. relações econômicas: entre os 10 maiores itens de exportação da Austrália, 8 são produtos da indústria extrativista ou agropecuária. A Austrália, diferente do Brasil, inseriu-se sem reservas na economia internacional como exportador de produtos primários aproveitando suas vantagens competitivas de baixa densidade demográfica e vastos territórios para a pecuária, clima favorável à agricultura e ricas províncias de mineração, refutando com essa prática as teorias cepalinas de deterioração dos termos de troca e da necessidade de intervenção estatal na indústria. Em 2016, a Austrália era a 13a. economia mundial, contando apenas com seus 24 milhões de habitantes, segundo dados do FMI. O mercado interno é rico, na Austrália. Os bens de exportação Brasil-Austrália são máquinas mecânicas (concorrendo com os asiáticos) e preparações hortícolas; mais de 60% das exportações Austrália-Brasil são combustíveis, sobretudo variedades de carvão. O porto de Singapura consolidou-se para o transporte de carga entre o porto de Santos com destino a Sydney. O Mercosul permitiu alguns avanços no diálogo Austrália e Nova Zelândia sobre medidas de acesso a mercados e harmonização de medidas sanitárias e fitossanitárias, apesar da crescente atração dos mercados asiáticos. Quanto aos intercâmbios de investimentos, Austrália concentra-se nos setores de metalurgia e mineração, no Brasil, até o ano 2000. Após, diversificou-se nas áreas de T.I., biotecnologia, transporte, telecomunicações, seguros, gás e petróleo, energia, infraestrutura e construção civil. É desta época o início dos investimentos de empresas brasileiras na Austrália: automóveis (ônibus e caminhões), cosméticos e agropecuária e mineração. Há outros setores potenciais cujas oportunidades estão sendo ampliadas pela câmara de comércio e pelo Conselho Empresarial Brasil-Austrália. As empresas brasileiras e australianas têm alto potencial de complementariedade.
4. promoção cultural: "desconhecimento mútuo" exprime o isolamento cognitivo das duas sociedades, embora partilhem percepções positivas - informalidade australiana e cordialidade brasileira. Media, entretanto, as relações Brasil-Austrália o desafio de adaptar-se ao deslocamento, no século XXI, do eixo político-econômico do planeta, do Atlântico para o Pacífico.
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| A capital Camberra |
A Austrália de hoje tem a maior população costeira do mundo. São 8.000.000 km2 cercados de mar, onde há 11.000 praias. Lá vivem 26.010.000 pessoas - um dos países menos povoados do mundo (dados 2022), com sua população concentrada na costa. Grande parte do território é semiárido e desértico (Outback Australian), portanto, 85% da população vive a menos de 50km do litoral, sendo 25% dela de estrangeiros - ingleses, escoceses e irlandeses.
Segundo o ranking da revista "The Economist", Melbourn é líder há 7 anos como melhor cidade do mundo para se viver. Adelaide (6o. lugar) e Perth (7o. lugar) também fazer parte do ranking. A capital é Camberra. Austrália deixou de ser colônia em 1901 e estabeleceu o voto feminino em 1902.
Na Austrália existem animais que se originaram lá, apenas: os cangurus, com uma população de 50.000.000, o que levou à ampliação do consumo de sua carne; o coala, o diabo-da-tasmânia, o ornitorrinco, a equidna e o cisne-negro.
Sophie Davies, a primeira embaixadora daquele país no Brasil, considera que a Austrália seja, para os brasileiros um ótimo destino para a educação e o turismo.
Em 2024, as exportações Brasil-Austrália estão estimadas em US$293 milhões, concentradas no café, produtos florestais, produtos de origem animal e sucos. Também foram concedidas aprovações sanitárias pela Austrália para importar pescados do Brasil, em fevereiro, inclusive com vistas à importação de camarões. O mercado de camarões estima que o Brasil tenha potencial para produzir 1 milhão de toneladas/ano, suficiente para enfrentar a concorrência da Tailândia, Vietnã, China, Malásia e Indonésia, atuais importadores para a Austrália. Além disso, existem estudos para a introdução no mercado consumidor de Sydney de setores têxteis e confecções e moveleiro (2020), bebidas alcoólicas, tecnologia agrícola e tecnologia financeira (2021), revestimentos cerâmicos (2022) e calçados (2023).
A Austrália compõe o G20, FMI, OCDE, ONU, e FIP.
Algumas referências bibliográficas:
Este texto foi composto, basicamente, amparado em duas publicações da Fundação Alexandre de Gusmão, a saber, "Brasil e Austrália: Além da tirania da distância", 2017, Pedro Henrique Batista Barbosa (org.) e "O Brasil e o mundo ário-africano", 2012, Adolpho Justo Bezerra de Menezes. Além destes, também subsidiaram os dados apresentados os sites:
agenciabrasil.ebc.com.br
brazil.embassy.gov.au
forbes.com.br
pt.countryeconomy.com
sonoridadeunderground.com.br
srp.com.br


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